A 7ª Marcha das Margaridas reuniu nesta quarta-feira em Brasília mais de 100 mil mulheres do campo e cidades de todas as partes do país, na maior manifestação política da América Latina. 

Coordenada pela Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Marcha sai de quatro em quatro anos desde 2000 em homenagem e em continuidade à luta de Margarida Maria Alves, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB), assassinada em 12 de agosto de 1983. Até hoje, 40 anos depois, o crime segue sem solução e os mandantes continuam gozando a vida. 

Embora símbolo da resistência, bravura e alegria das mulheres rurais, a execução de Margarida Alves foi solenemente ignorada no encerramento da 7ª Marcha, que contou com a presença do presidente Lula e vários ministros, dentre eles, o da Justiça Flávio Dino.   

Era a oportunidade de ouro não só para clamar por Justiça em nome de Margarida Alves, mas para fazer jus à memória de outros 2.105 lavradores, lavradoras, indígenas, quilombolas, líderes sindicais abatidos no campo entre 1985 e 2022. 

De acordo com o Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra Dom Tomás Balduíno – CEDOC, dos 1.496 casos de assassinatos no campo entre 85 e 2018, apenas 120 ou 8% foram a julgamento. 

No Maranhão, nesses 37 anos, 197 pessoas foram executadas. Somente 6 casos foram julgados. Os dois mandantes que se sentaram no banco dos réus saíram devidamente inocentados. 

Para não dizer que não falaram das flores, o presidente Lula diz que Margarida Alves pagou com a própria vida por ser uma mulher nordestina à frente do seu tempo.  

Em um discurso emocionado, o presidente ressaltou que ela “foi morta a tiros na porta de sua casa por defender o básico que todo trabalhador e toda trabalhadora deveriam ter, carteira assinada, férias, 13º salário…”.

Indignou-se com o assassinato, mas não cobrou Justiça para Margarida Alves. 

Os assassinatos sem soluções no campo são tantos e flagrantemente sem solução, que o Brasil foi várias vezes denunciado, julgado e condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). 

Dois casos são emblemáticos. O de Margarida Alves e do líder camponês Francisco de Assis Ferreira, executado em novembro de 91, na gleba Conceição do Salazar em Codó.

Ambos receberam praticamente a mesma sentença; ou melhor, as mesmas recomendações. Julgados em datas diferentes, 2020 e 2021, a comissão concluiu que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos à vida, integridade pessoal, proteção e garantias judiciais. O relatório ainda faz recomendações ao Estado brasileiro sobre como reparar moral e financeiramente os familiares das vítimas. 

Mas é na recomendação de reabertura da investigação dos assassinatos de Margarida e Assis para efetivamente esclarecer os fatos, que reside a possibilidade de pacificação. 

A entidade considerou o estado brasileiro agiu com descaso na apuração e posterior trâmite processual do caso. E foi taxativa ao ressaltar, no caso do Maranhão, que o novo inquérito tem por obrigação identificar todas as possíveis responsabilidades a respeito do homicídio e aos atrasos que culminaram na impunidade.  

A negligência das autoridades policiais e judiciárias levaram ao arquivamento da acusação proferida pelo Ministério Público.  Foram 13 anos entre o assassinato e o arquivamento definitivo do caso pelo Tribunal de Justiça. A relação entre os mandantes e as estruturas de poder local garante a impunidade e serve de estímulo à violência.  

Remover a terra 30, 40 anos depois e revelar todos os nomes dessa nebulosa cadeia alimentar, serviria de exemplo para dissuadir o conluio entre o latifúndio, o capital e o poder político; com o auxílio luxuoso da Justiça. A violência no campo é uma questão de permissividade. 

Porém, as recomendações de exumar os inquéritos não foram levadas à termo pelo então governo Bolsonaro. 

No Maranhão, o governo Flávio Dino (2021) indenizou em R$ 240 mil a família e batizou o campus do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IEMA – com o nome do lavrador Francisco de Assis Ferreira.  

Em Brasília durante o encerramento da Marcha das Margaridas, a deputada Maria do Rosário anunciou como grande conquista a inclusão do nome de Margarida Alves no livro Heróis e Heroínas da Pátria. 

Enquanto quem morre vira nome de prédio público ou heroína da pátria, quem mata vira número nas estatísticas da impunidade.